quinta-feira, 24 de março de 2011

Bom dia, Alice!

Ela não tinha olhos azuis, muito menos olhos de ressaca como os de Capitu. Não eram verdes nem amendoados, muito menos cor de mel. Eram deveras normais. Pretos como muitos por aí, mas não eram nem de longe como jabuticabas. Tinha os cílios compridos, mas só para não dizer que eram curtos, conhecemos cílios maiores por aí! Às vezes eles eram profundos, às vezes rasos, algumas espelhos, outras reflexos, às vezes encantadores, às vezes não. Eram olhos comuns e agora ela os tinha abertos.
Pensou em dizer bom dia! enquanto aninhava-se mais no colchão, estava só, na cama, na casa, ninguém a ouviria e mesmo assim teimou em dizer.
-Bom dia, Alice!
Não se chamava Alice, bem, não no cartório, mas decidiu que seria assim. Alice era um bom nome, sua mãe não tinha escolhido direito e ela não tinha sido consultada a respeito da escolha do seu próprio nome e sentia-se aliviada. Que tipo de nome um bebê recém chegado escolheria? Mas Alice era um bom nome, como em Alice no país das maravilhas, não graças à garota bobinha seguindo um coelho falante, crescendo e diminuindo. Gostava da pronúncia em inglês: Élícee, porque o som é gostoso de escutar. Virou para o outro lado e ainda quis dormir. Dormiria até a manhã escorrer, diria boa tarde, Elícee!, e continuaria domindo até o sol se pôr. Boa noite, Alice! e dormiria na hora certa. Faria isso hoje, amanhã e depois e depois, mas até quando? Sonharia e poderia viver naquele mundo de sonhos por tanto tempo, afinal ela só notava que estava sonhando segundos após acordar. Percebeu que sua alma morava em um corpo qualquer, com o qual ela não estava satisfeita e ele era frágil o bastante para gritar surdamente em seu cerébro, pedindo coisas. No momento ele precisava de uma ducha quente e  de uma salada de frutas. Seria impossível permanecer ali e só sonhar.
Levantou meio bamba e arrastou-se até o chuveiro. Escorria uma água fria e ela não queria encarar que teria de acordar, mas mesmo assim sentiu a água arrepiar a nuca e eriçar os pelos. Bem... Não havia salada de frutas, nem frutas, nem suco. Não havia nada saudável, deveria ficar feliz e contentar-se com o pão do outro dia (não necessariamente o imediatamente anterior, se é que me entendem!).
Foi da cozinha ao quarto analisando tudo, peça por peça, canto por canto, brisa por brisa. Ela tinha quase tudo, menos o que queria! E ela já quis tanta coisa. Ainda esperava a realização dos sonhos antigos, por isso agora não queria mais nada.
Vestiu-se.
Ecovou os dentes, abriu a porta da frente, apoiou-se com o pé direito e deu seu primeiro passo em direção ao hall, assim mesmo, com o pé esquerdo. Virou-se e trancou a porta. Seu dia tinha apenas começado, ela mal sabia o que a esperava. Inocentemente deu a última volta na chave e caminhou até o elevador. Muita coisa mudaria, como acontece todo dia, mesmo ela nem percebendo. Só que hoje... Hoje eu estou curiosa e queria, ansiosamente, saber sobre a mudança que esperava Alice.
Bom dia, Alice. Bom, dia. Aguardo ansiosa.




(Eu já disse que tem muita porcaria no mundo sem a minha ajuda? Eu apenas perdi a vergonha de me expor, ou perdi a noção das coisas mesmo!)

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